8TALKS – O fotojornalismo de Léo Pinheiro
O que durante sua juventude era apenas um hobby, influenciado também pela paixão do pai pelas máquinas fotográficas, depois de seu primeiro emprego enquanto estudante de jornalismo, a fotografia se tornou uma profissão.
Léo Pinheiro é um dos mais reconhecidos fotojornalistas brasileiros. Formado em jornalismo em 2004, Léo marcou seu nome no mercado de mídia impressa e digital, tendo trabalhado para os maiores veículos de comunicação do Brasil, e diversas de suas fotos e projetos já foram premiadas.
É com esse profissional para lá de especial que a Maria Fonseca, sócia da 8 Milímetros, bateu um papo super descontraído e recheado de aprendizados. Bora lá?
“O primeiro trabalho que eu fui fazer foi uma cobertura de Carnaval. Com o portfólio que eu tinha dessa cobertura, eu levei para uma agência de fotojornalismo, mostrei para a dona e falei: “eu faço isso aqui. Tem espaço para mim aí?”. Ela falou: “ah, não é tão bom mas tem! Conversa com o pauteiro aqui.” Eu comecei a conversar com o pauteiro, todo dia ligava para ele às 5h45 da manhã e falava “e aí, Júlio? Tem alguma coisa aí?”. Nunca tinha nada, até que um dia ele falou “ah, tem uma greve de ônibus aí…”. Depois, ele gostou do material, falou que os professores iam entrar em greve e se eu queria cobrir. E assim começou.
Para mim, o fotojornalismo é o que eu mais gosto de fazer, só que não me paga nada hoje. O que se tira com fotojornalismo é ridículo. Ele para mim é um “credibilizador” de trabalho para eu apresentar para o mercado corporativo.
8 milímetros – Você acha que o fotojornalismo te dá mais credibilidade do que o que você faz de publicidade? Por quê? Por que será?
A publicidade me dá muita credibilidade. A publicidade me dá credibilidade para a publicidade, mas o fotojornalismo abre umas portas que eu não conseguiria… Se você pegar o preço de um trabalho meu é muitas vezes o preço de um cara que está ali no mercado corporativo. Só que ele tem um portfólio de eventos corporativos, o meu portfólio vem com os eventos corporativos, com a foto da publicidade e com fotojornalismo. A pessoa olha e fala “pô, o cara garante!”.
E eu tenho um pouco disso, de chegar e garantir, sabe? Às vezes, o briefing vem mal-feito, às vezes vem sem briefing, aquele “ah, faz aí!”, e você faz.
8 milímetros – O corporativo você ainda fala “volta aqui, deixa eu fotografar aqui de novo, vamos combinar…”. Fotojornalismo, você perdeu aquele momento você perdeu tudo, né? Tem o momento certo, você não sabe quando vai acontecer, e sai bom, sai com foco!
Eu gosto muito de falar uma coisa… Vocês são do vídeo. O vídeo é contemplação. Querendo ou não, você prepara tudo para acontecer, você sabe o que vai acontecer, tem total controle da situação.
A fotografia, na publicidade, você tem o controle da situação. O fotojornalismo eu não tenho a contemplação, eu tenho que ter a antecipação.
8 milímetros – Como é que lida com a ansiedade disso?
Eu fiz uma foto hoje, de bobeira aqui em casa, com toda a rotina… Mas eu acho que é um pouco disso. Eu estou olhando essa foto há uma semana. A hora que passar um andaimezinho aqui na frente, eu vou ter essa foto. Aí, parece que foi do nada né? Mas não. Hoje eu vi que jogaram a corda exatamente onde eu queria e pensei “vai passar um andaime ali, só falta o maluco do home office estar ali na varanda também, pronto”.
Um editor que eu tive no Terra uma vez disse que pode estar caindo o mundo, mas você tem que olhar, respirar e ver o que está acontecendo. A foto está ali para todo mundo, mas se você enfiar a câmera na cara, você está com aquele quadro só, você está esquecendo de ver ao redor. E eu aprendi, depois de perder muita foto no começo, que era fotografar com os dois olhos. Eu não fecho um dos olhos para fotografar, como o pessoal faz, eu deixo os dois abertos porque eu quero saber o que está acontecendo no periférico para não ser surpreendido.
Funciona? A maioria das vezes funciona, mas tem horas que você perde mesmo.
8 milímetros – Aquela foto do Serra perdendo o sapato, que é famosa…
Ali foi totalmente ao acaso… A história daquela foto é louca. O Terra sempre deu muita liberdade, nunca teve uma censura do meu material, quem fazia a censura era eu.
A gente estava naquela cobertura da eleição, e não era uma equipe fixa, mas acabou que eu cobri muito o Serra. Não tinha horário essa agenda dele. O Terra era na Vila Olímpia (SP) e a agenda dele era lá no extremo norte da cidade. Estávamos a caminho e ele já estava lá no clube-escola. Como estava chovendo, falei “vou colocar um flash em cima dessa câmera.” A gente chegou, ele já estava no campinho com as crianças, eu saí correndo. Ele estava indo cobrar um pênalti, aí eu fui para onde a bola ia passar e foi assim, fotometria de olho, com flash, velocidade baixíssima porque estava uma garoa chata, estava escuro. A foto sai bonita porque o flash bateu. O fotógrafo que estava lá e não colocou o flash – eu não colocaria o flash em outra situação – e a foto dele tem as cores mais “mortinhas”. Aí, eu só escutei uma mulher falando: “pega o sapato do homem”.
Aí eu sentei num canto, mandei a foto pra redação. De repente chegou da redação que o link já tinha mais de um milhão de acessos.
8 milímetros – Tem a sorte, e você também disso que pensa na foto, pensa na narrativa que você quer construir, que parece que foi ali, na hora. Mas você também disso que se inspira em coisas que você passou. Me conta?
Essa foto eu fiz em Paris. Quando eu fui a primeira vez para Paris, eu fique curioso do porque a estação da Torre Eiffel se chamava Bir-Hakeim… E aí, eu descobri depois que é uma batalha que rolou na Argélia durante a Segunda Guerra Mundial. Quando eu fui lá uma vez, eu vi esse cara carregando uma criança e pensei que o dia foi sofrido! Quem faz turismo com criança sabe que no final do dia ela está esgotada e você acaba carregando.
Parecia muito uma foto (abaixo) que eu tinha visto da Segunda Guerra mesmo, do Robert Capa, de um soldado carregando o outro numa batalha.
E é isso, são coisas que você viu, você leu. Eu gosto de falar que a minha fotografia são os filmes que eu vi, são os livros que eu li. Tudo tem uma coisa a ver com o que eu já passei, está tudo implícito na minha fotografia, faz parte. Eu acho que você não pode ser um bom fotógrafo se você não busca um acesso à cultura. Você tem que se preparar, fotografia não é só apertar o botão.
A câmera está aqui para todo mundo. Aprender a ler a luz, aprender a parte técnica está aqui para todo mundo. Você quer aprender a fotografar, vai ver um filme, se abre.
8 milímetros – Aqui na 8 Milímetros a gente fala que um fotógrafo não é igual ao outro não só por causa das fotos que ele já fez, mas por tudo. Tudo é bagagem, por causa do jogo de futebol que você assistiu, por causa do jeito que sua mãe te criou, por causa da casa que você morou, a comida que você come. Toda essa bagagem está ali, né.
Sim, está ali na sua foto. Se a gente colocar essa caneca aqui e chamar 20 fotógrafos, serão 20 fotos diferentes. Cada um vai ver a caneca de um jeito.
Às vezes, você está num jogo e tem “trocentos” fotógrafos juntos, você tem 10 fotógrafos na mesma linha para a mesma jogada. São 10 fotos diferentes.
Eu tenho uma foto aqui (abaixo), é uma defesa de pênalti do Cassio. Sã quatro ou cinco fotógrafos que fizeram a foto, e todos fizeram diferente.
8 milímetros – Falando um pouco da parte técnica: quando a gente vai fazer publicidade, a gente estudou qual vai ser a melhor lente, gasta dias para fazer uma pré e uns minutos para fazer a foto. Quando você está falando em fotojornalismo, você não sabe o que vai acontecer, e você tem um jogo de lentes, equipamentos, luz. Com você decide qual setup você vai levar naquele dia?
Sempre que eu vou fazer um trabalho, eu penso o seguinte: se eu for fazer um retrato, eu vou levar uma lente de retrato, no máximo uma 70×200, uma 50mm, uma 28mm, uma 35mm e acabou. Mas já que tem que levar uma mochila, não custa levar tudo.
Tem que pergunta “qual uma lente boa para casamento?”. A lente boa é a que você tem na mão. Você tem que pensar o que você quer fazer. Para falar qual lente eu quer levar, eu preciso pensar o que eu quero fazer. Dando o exemplo do casamento… Quais são os principais pontos do casamento? A entrada da noiva, a troca de alianças, o beijo e o buquê. Essas quatro fotos têm que estar perfeitas. Se você está sozinho, você fazer levar uma lente que vai te garantir isso aí. Se você tem dois ou três fotógrafos, não tem porque todo mundo fazer a mesma foto. Vai buscar outro ângulo.
8 milímetros – Acontece muito em casamento, social, corporativo, de a pessoa estar com uma ideia na cabeça, mas ela não sabe te explicar que ela queria isso. Isso é muito subjetivo, muito difícil. Para você falar, num casamento, “eu não faço uma foto igual a outra”, mas às vezes a foto que a noiva queria é aquela foto de sempre, tradicional.
Acontece. Mas a noiva, quando me contrata, eu vou fazer o tradicional, eu vou dar o tradicional para ela.
8 milímetros – E pensando nisso é que você vai decidir qual que é a lente certa, qual é o equipamento certo, o que você vai querer contar.
Você tem que usar o que está na mão, mas olhando por esse lado, eu tenho que pensar em algumas coisas sim. O estádio está vazio, o que eu vou fazer? Bom, vou trabalhar com uma lente mais fechada, desfocar o fundo, e vamos que vamos. “Ah, mas não tem aberto?”. Tem, olha aqui o fundo, está vazio.
8 milímetros – E o briefing é muito importante, né?
Sim. Num show, a gente recebe o briefing então sabe o que vai acontecer, a hora que acontecem os fogos, para a gente estar posicionado no lugar certo para fazer certo a foto.
A fotografia, ainda mais no corporativo, é essencial. Tanto é que eu coloco no meu orçamento que o briefing tem que ser bem passado.
8 milímetros – O que eu já ouvi de reclamação de amigos fotógrafos… “vai lá fotografar o show de fulano”, “vai lá fotografar o que vai ter com a imprensa”. Mas não diz o que, o que é importante, o que é nosso o que não é, o que é pra entregar.
Eu concordo muito com o fotógrafo, mas assim… Se aconteceu uma, aconteceu duas, não dá para falar toda hora que fio surpreendido. Quando eu trabalho com corporativo eu converso muito com o cerimonialista antes.
8 milímetros – Queria que você dissesse quais foram seus trabalhos favoritos, suas fotos favoritas.
A foto que eu ganhei o prêmio na Alemanha eu gosto muito. Essa foto abriu muita coisa para mim. Ela aconteceu no mesmo ano da Primavera Árabe, que acabou com o regime no Egito, e abriu uma porta para começar a ter um monte de manifestação no mundo árabe. E essa foto (abaixo) foi no primeiro ato do passe-livre no Largo da Batata (SP), e se chama Outono Paulistano.
Toda foto que eu subi em algum lugar, que eu mandei, eu gosto. Num geral, eu gosto das minhas fotos.
8 milímetros – Não tem aquela foto que você manda porque tem que mandar mas não gostou?
Já teve muito isso, mas hoje eu só mando a foto que eu gostei. No geral, eu tento me garantir com tudo, mas eu mando a foto que eu gostei para o trabalho… Tem as fotos técnicas, claro, que é uma coisa mecânica.
Eu gosto muito de fotos que eu fiz de Carnaval (abaixo). Você tem que saber se posicionar, saber onde acontecem as coisas.
De narrativa de foto, eu tenho uma que fiz um ensaio de um drag queen, em Dublin, que saiu de Santos e foi morar na Irlanda e nunca teve outra profissão a não ser drag queen. Aí eu sugeri de fazer um dia dele de trabalho. Encontrei com ele 4 horas da tarde e fiz ele se montando até o final do show dele. A sequência desse trabalho é muito bonita. Eu tenho essa foto dele (abaixo), que é a que eu mais gosto.
8 milímetros – Um conselho que você dá para quem está começando e quer se um bom fotógrafo.
Vai ver filme, vai ler, vai ver foto. Antes de pensar em equipamento e essas coisas, vai conhecer foto. Quando eu comecei a trabalhar com fotojornalismo eu via muita foto, mas eu fui entender o que os jornais publicavam. Cada jornal de São Paulo publica uma coisa de uma forma diferente, eles encaram a foto de uma forma diferente.
A foto do jogo que sai na Folha de São Paulo é diferente da foto que sai no Agora São Paulo. São do mesmo grupo, mas são públicos diferente que eles atingem. Então, se eu ia fazer um jogo, o material que eu entregava para a Folha era diferente do que eu entregava para o Agora, tinham duas abordagens.
A fotografia hoje é muito mais complexa. As pessoas se preocupam muito com edição, e no fotojornalismo a minha foto é toda decidida ali, na câmera. Eu não tenho muito espaço para criar um elemento, colocar um elemento, alterar uma cor. Isso não existe.”