Guia para uma boa edição de vídeo


Editar ou montar um vídeo, seja ele uma peça publicitária, um filme hollywoodiano, um vídeo para YouTube ou até mesmo a seleção de imagens do seu gatinho de estimação, vai muito além de colocar imagens selecionadas em uma ordem pré-estabelecida. O trabalho do editor começa antes disso.

Na produção de um vídeo, contamos com a participação de diversos profissionais até a sua conclusão. Desde a pré-produção, produção, direção de imagens, direção de fotografia, atores, técnica, iluminação, etc. Ao final do processo, o trabalho e o empenho de todos esses profissionais estarão nas mãos deste outro profissional – o editor – e dependerá dele grande parte do sucesso (ou fracasso) do vídeo.

Em seu primeiro contato com o vídeo, seja na leitura do roteiro, conversa com diretores e também na visualização do material bruto já gravado, o editor começa a conceber, mesmo que inconscientemente, como fará para que todas essas informações que está recebendo sejam passadas através de cada imagem captada.

Como dissemos, o trabalho do editor vai muito além de colocar imagens selecionadas em uma ordem pré-estabelecida. A primeira etapa de do editor é justamente a seleção das imagens a serem usadas. É nesse momento que o editor usa seu filtro referencial e criativo para começar a montar. São peculiares e subjetivos os porquês da escolha entre um take ou outro: uma pequena diferença no olhar do personagem ou a forma como a luz incidiu na objetiva da câmera podem ser cruciais para que, na edição, o corte da cena seja perfeito. É também nesse momento que o editor deve primordialmente considerar o trabalho em equipe.

É aí que ele deverá levar em consideração tudo o que leu, ouviu e conversou sobre esse projeto e, também, a sua opinião sobre o vídeo: os detalhes do roteiro, as orientações da direção, a finalidade daquele vídeo.

Após a seleção de cenas, segue-se para a montagem. Com um mesmo conjunto de imagens é possível contar diferentes histórias. Uma série de detalhes técnicos e artísticos, dependendo da forma que forem usados, podem mudar todo o contexto da história a ser contada. São esses detalhes, as ferramentas que o editor possui para fazer sua mágica.

Divididos em dois grupos – CORTE e SOM – vamos começar a entender como podemos ter várias histórias em uma mesma imagem.

CORTE

Onde fazer o corte? Onde inserir este trecho de imagem selecionada? Estas talvez sejam as perguntas que mais ficam na cabeça de um editor de vídeo durante seu processo de trabalho. Se tivermos que exemplificar em um ato o que é a edição de vídeo, podemos fazê-lo representando-o com o CORTE. Um simples ato que carrega no nome a história do cinema e do vídeo. Nos primórdios do cinema, a montagem (edição) era feita cortando do filme revelado as cenas desejadas e depois as colando na posição desejada.

Hoje, de forma digital, o que nos restou do CORTE inicial e literal foi o termo e o símbolo, que na maioria dos softwares de edição é representado por uma navalha. Porém, o principal não foi transformado: o momento certo de fazer cada corte. Seja qual for a plataforma que o editor estiver usando, das mais arcaicas às mais sofisticadas, naquele milésimo de segundo, naquele frame, a decisão de cortar ou não cabe ao editor.

Por que cortar em determinado ponto do filme? Ou por que não cortar dois frames para frente ou para trás? Não existe certo e errado aqui. Novamente partiremos das referências do profissional, sejam elas criativas, técnicas ou de roteiro. Poderia citar aqui vários exemplos dessas referências, mas citarei uma das mais interessantes, escrita por Walter Murch, em seu livro Num piscar de Olhos. Murch, entre outros trabalhos importantes, foi o editor dos filmes Apocalipse Now e O Paciente Inglês.

Com sua experiência de anos de trabalho e observação, Murch compara um filme ao olhar de um ser humano, onde o piscar dos olhos são os cortes. Em seu livro ele cita uma fala de John Huston:

“Para mim o filme perfeito é aquele que se desenrola como que por trás dos seus olhos, como se os seus olhos os projetassem e você estivesse vendo o que quer ver. Filme é como pensamento. De todas as artes, é a mais próxima do processo de pensar.”

Seguindo ainda essa analogia, Murch diz que “o piscar é algo que auxilia uma separação interna de pensamentos ou é um reflexo involuntário que acompanha a separação mental que está acontecendo de qualquer forma”.

Porque o corte é exatamente isso, a separação de uma ideia para o início de outra. Por mais que para a elaboração de uma ideia inteira seja preciso fazer diversos cortes, cada corte diz uma coisa específica, algo único.

Usando dessa analogia físico-mental com a montagem de um filme, Murch resolveu aplicá-la em seu dia-a-dia e descobriu que o piscar dos olhos dos personagens em quadro poderiam servir como mostra do momento exato de se fazer o corte.

Esse é um bom exemplo de técnicas de edição por ele ser incrivelmente certeiro e também por ele ser por si só, de maneira objetiva e poética, uma exemplificação do que é a edição de um vídeo.

Depois do corte escolhido e feito, parte-se para a etapa de “onde colocá-lo” para ele servir da forma mais ideal naquele contexto. É nesse momento em que nos vemos diante dos ingredientes para fazermos um delicioso doce, mas não temos a receita. O doce pode ficar ao estilo Masterchef ou tristemente ruim e intragável. A questão é que, por bem ou por mal, na edição de vídeos não temos exatamente a receita. Estamos sempre correndo o risco da maionese desandar.

Terminando as analogias culinárias, nossos ingredientes – as imagens cortadas, selecionadas – podem ser usadas de diversas formas e quantidades, e ainda sim termos no fim um prato que poderia ser assinado por qualquer chef.

Resultados diversos entre si não são obtidos somente pela diferenciação na posição de cenas, mas também na diferença da posição e forma das trilhas sonoras.

SOM

O som na edição de vídeo é algo que por muitas vezes – e até historicamente – é escamoteado, mas tem importância crucial para a boa realização de um vídeo. O termo som aqui engloba a captação das falas dos personagens, captação de sons ambientes, trilha sonora, desenhos de som (efeitos sonoros), etc. Esse é outro tema que por si só merece um artigo só seu, portanto não será possível esmiuçá-lo aqui da forma que mereceria.

Sobre a edição especificamente, mais uma vez partiremos do filtro referencial do editor e suas variáveis. Dependendo da forma que a trilha for usada, resultará em um contexto e uma mensagem a ser transmitida totalmente diversa uma da outra.

Aqui é bom frisarmos que o trabalho do editor estará sujeito à sua liberdade de criação, de acordo com cada trabalho. Em alguns projetos o editor poderá ter uma liberdade de escolha maior, em outros, menor.

A edição de vídeo é muito complexa em suas variáveis técnicas, artísticas e subjetivas. Mas está aí nessa complexidade a grande questão que faz o profissional editor ser apaixonado pelo o que faz, esse poder de criação que ele tem em mãos.

Por fim, termino citando mais uma vez Walter Murch, onde ele explica o que é, para ele, o trabalho de um editor:

O trabalho do editor é em parte antecipar e em parte controlar o processo de pensamento do público. Dar a ele o que ele quer e/ou o que precisa imediatamente antes de ele ter que “pedir” – surpreender e explicitar ao mesmo tempo. Se você estiver muito atrasado ou adiantado, terá problemas, mas se estiver em harmonia com o público, direcionando-o sutilmente, o fluxo dos acontecimentos parecerá normal e estimulante ao mesmo tempo.


Fábio De Lima Martín é Fotógrafo, cinegrafista e editor de vídeo, graduado pela Universidade Anhembi Morumbi. Atua na 8 Milímetros como editor de vídeo e diretor de externas de reportagens jornalísticas e documentários para televisão.

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