As lives de shows e os sertanejos
Por conta do isolamento social para conter os avanços do coronavírus, os artistas “descobriram” as lives, transmissões ao vivo na internet onde eles conseguem exibir seus shows do conforto da sua casa. O formato funciona como válvula de escape, proporcionando descontração para um público que ficou órfão de qualquer atividade social nesse momento.
Tudo começou com artistas como John Legend e Elton John que, logo no início dessa história de quarentena, lançaram mão das lives, fazendo shows simples e intimistas direto das suas casas, sem nenhuma grande produção ou equipe. A ideia, além de entreter os fãs, era incentivar o isolamento social e arrecadar doações para ajudar na crise da COVID-19.
A iniciativa deu tão certo que, logo, outros artistas ao redor do mundo também começaram a fazer seus shows via live, alcançando números impressionantes, não só de público mas de doações.
Um dos principais exemplos é Marília Mendonça, conhecida como a “rainha da sofrência” por causa de suas letras sobre amor, traição e relacionamentos frustrados. A cantora brasileira bateu o recorde mundial de audiência em uma live com 3.2 milhões de acessos simultâneos, em 3 horas de duração. Fazendo um comparativo, o recorde de público em um show ao ar livre da história é de Rod Stewart, que contou com a presença de 3.5 milhões de pessoas em uma apresentação na praia de Copacabana, Rio de Janeiro, em 1994.
Apesar do recorde impressionante, outros números conquistados pela cantora têm ainda mais relevância nesse momento: de acordo com Marília, a live arrecadou 225 toneladas de alimentos, 2 toneladas de produtos de limpeza, 250 quilos de pão de queijo, 3.600 litros de refrigerante, 100 litros de tinta para construção, 10 toneladas de batata frita, 2 toneladas de argamassa, entre outros. Definitivamente, um sucesso.
Outra iniciativa nesse sentido foi a série de shows virtuais chamada “One World: Together At Home”, uma parceria entre a Organização mundial da Saúde (OMS), a Instituição Global Citizen e a cantora lady Gaga, transmitido no dia 18 de abril. Reunindo artistas como Paul McCartney, Elton John, Billie Eilish, Stevie Wonder, Alanis Morissette, Maluma e muitos outros, o evento foi assistido por mais de 20 milhões de pessoas nos EUA e gerou mais de 5 milhões de interações no Facebook, Instagram e Twitter, arrecadando US$ 127,9 milhões para ajudar profissionais da área da saúde que estão na linha de frente no combate ao coronavírus.
No Brasil, as lives dos sertanejos se tornaram um imenso sucesso. Além de Marília Mendonça, outros artistas do nicho alcançaram números expressivos. O cantor Gusttavo Lima atingiu a marca de 750 mil espectadores simultâneos no YouTube e 160 mil no Instagram, impactando 11 milhões de pessoas no total. Em quase 5 horas de apresentação, a live arrecadou R$ 100 mil em doações, toneladas de alimentos e estoque de álcool gel. A dupla Jorge e Matheus chegou a ter mais de 3 milhões de visitantes simultâneos, e arrecadou mais de 172 toneladas de alimentos, 10 mil frascos de álcool gel e 200 cursos para área da saúde.
Apesar do enorme sucesso em termos de público e arrecadação, esses dois últimos casos receberam diversas críticas sobre suas apresentações. Isso porque, indo na contra-mão da recomendação da OMS e do Ministério da Saúde, a realização dessas lives contou com uma certa aglomeração de pessoas nos bastidores. Equipe técnica, músicos e até garçons servindo bebida tiraram um pouco aquele ar mais caseiro e intimista e elevaram as lives para um patamar de “super produção”.
Além disso, após denúncias de consumidores, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) abriu uma representação ética sobre as ações publicitárias envolvendo bebida alcoólica durante o show. Na live, o cantor não só expõe a marca da bebida como aparece consumindo em diversos momentos, chegando a ficar embriagado durante a apresentação.
“A denúncia cita a falta de mecanismo de restrição de acesso ao conteúdo das lives a menores de idade e a repetida apresentação de ingestão de cerveja, em potencial estímulo ao consumo irresponsável do produto”, diz um trecho do texto divulgado pelo conselho ao G1.
A Ambev, uma das responsabilizadas pela ação, disse:
“Para promover a iniciativa, patrocinamos alguns desses eventos, sempre com o cuidado de assegurar as medidas de higiene e distanciamento social e com a devida orientação prévia aos artistas sobre as regras do CONAR de publicidade de bebidas. Além disso, enviamos um guia reforçando as regras do CONAR e treinamos as pessoas envolvidas. Sabemos que em algumas lives, de forma totalmente espontânea, algumas orientações não foram seguidas. Estamos reforçando as regras dado esse novo contexto de entretenimento virtual e estamos mais do que nunca comprometidos com o consumo responsável de nossos produtos. Vale lembrar que a live é de propriedade do artista, muitas vezes realizada em sua casa, o que representa um desafio.”
O escritório de Gusttavo Lima também se posicionou, dizendo que “a citação é para prestar esclarecimentos sobre as lives realizadas pelo artista. Sendo assim, os esclarecimentos necessários serão prestados conforme determinado na referida citação. Em razão da confidencialidade, citada na intimação do CONAR, o escritório BALADA EVENTOS não comentará o caso e manifestará perante o órgão no prazo legal.”
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