A história da pouco conhecida primeira diretora do cinema


Alice Guy-Blaché foi a primeira mulher a ser diretora na indústria cinematográfica e teve uma carreira brilhante. Apenas disso, é bastante provável que você nunca tenha ouvido falar dela.

Sua história começou assim:

Em 1895, Alice foi trabalhar como secretária do inventor e engenheiro francês Léon Gaumont. Era uma época de inovações, e o cinema estava prestes a começar a fervilhar.

Fabricantes de todo o mundo, incluindo a Gaumont, estavam numa corrida para criar a melhor versão de uma câmera cinematográfica e, talvez ainda mais importante, uma forma adequada de projetar as imagens em uma tela grande.

Quem chegou lá primeiro foram os irmãos Lumière quando, ao final de 1895, fizeram história ao realizar a primeira exibição pública de filmes para público pagante. Ainda tudo muito novo para a época, essa noite não foi um grande sucesso. Em pouco tempo, Gaumont também começou a fabricar seu próprio sistema de câmeras.

Naquela época, o principal propósito dos filmes era registrar a vida cotidiana, como trabalhadores saindo da fábrica ou um trem chegando na estação. Era basicamente um conceito documental mesmo, nada além disso. Mas Alice Guy-Blaché viu que aquilo poderia ser algo a mais.

100 Anos Luz - Alice Guy-Blaché: A mãe do Cinema

Num belo dia de 1896, Alice pediu ao seu chefe se poderia pegar uma câmera emprestada e gravar um filme de ficção com base nas histórias que ela tanto lia nos livros.

E foi assim que, após reunir alguns amigos, Alice lançou ‘A Fada do Repolho’, que contava a história de um jovem casal que queria ter um bebê. Simples assim, o filme foi um fenômeno. Vendo o estrondoso sucesso, o visionário Gaumont também quis entrar nesse promissor negócio e colocou Alice para ser a chefe de produção dos seus filmes. Nascia, assim, um dos primeiros cargos na novíssima indústria do cinema que começava a despontar.

Documentário sobre Alice Guy-Blaché chega ao streaming

Ao longo dos próximos anos, Alice exerceu inúmeras funções dentro das produções cinematográficas de Gaumont. Ela escreveu, dirigiu e, mesmo sob o cargo de chefe de produção, atuava em todas as áreas dentro do set, desde contratar a treinar novos diretores até fazer figurinos.

Em 1905, Alice já tinha ganho seu primeiro prêmio e dirigido mais de 100 filmes usando um cronofone, um sistema desenvolvido pelo próprio Gaumont que sincronizava imagem e som.

No ano seguinte, ela foi incumbida de um grande desafio: fazer um filme de 25 partes sobre a vida de Jesus Cristo, uma produção enorme de grande orçamento, várias locações, efeitos especiais e outras tantas complexidades. É claro que Alice fez acontecer e, sem nenhuma surpresa, foi um grande sucesso.

Alice Guy Blaché | American Film Institute

Algum tempo depois, Alice se casou com Herbert Blaché e ambos se mudaram para os Estados Unidos. Seu marido era gerente de produção de Gaumont e tinha a missão de difundir o cronofone na terra do Tio Sam.

A missão não deu muito certo e o estúdio que Gaumont havia construído para esse fim estava sendo subutilizado. No que poderia se tornar um grande fracasso, Alice enxergou uma oportunidade alugando parte do estúdio e começando, ela mesma, a produzir seus filmes sobre o guarda-chuva da Solax Company. Ela se tornava, assim, a primeira mulher a dirigir um estúdio cinematográfico.

Enquanto seu marido cuidava da produção, era Alice quem dirigia os filmes e seu estúdio ganhou massiva repercussão na mídia. À frente do seu tempo, trazia pautas sociais importantes desde aquela época. Ela fez mulheres interpretarem personagens importantes e poderosos, foi a primeira a ter um elenco totalmente afro-americano. Da desigualdade de gênero ao anti-semitismo e aos direitos humanos, seus filmes desafiaram as normas sociais – e sua perspectiva feminina não estava apenas presente, mas muito necessária.

Infelizmente, apesar da escalada de sucesso, tudo veio abaixo em poucos anos.

Depois da eclosão da Primeira Guerra Mundial na Europa, em 1914, a economia mundial ficou completamente abalada. Somado a isso, novos tributos foram impostos no estado e o estúdio viu suas taxas aumentarem (essa é, inclusive, uma das razões de porque muitos estúdios migraram da costa Leste para a Califórnia nessa época). Para tornar tudo ainda mais difícil, o marido a trocou pela amante e foi morar em Hollywood. 

Um incêndio em 1919 acabou com parte do estúdio. Mesmo assim, ela ainda tentou fazer um novo filme, mas uma forte gripe quase a matou. Infelizmente, o estúdio foi à falência e o pouco que sobrou foi vendido por migalhas. Assim, sua carreira acabou.

Apesar de tamanha relevância para a construção dos primeiros anos da indústria cinematográfica, Alice Guy-Blaché foi praticamente apagada da história.

Seu nome não apareceu no livro publicado pela Gaumont sobre a história do início do cinema, nem no documentário sobre o Solax Studio (apenas o nome do seu marido aparece), tampouco foram dados os créditos corretos numa publicação de 1957 sobre o cinema francês, onde seus filmes aparecem mas seu nome, não.

O porquê desse desfecho ninguém nunca vai saber. Falta de habilidade ao conduzir a carreira? Machismo? 

O importante é que, independente do que alguns achem, o nome de Alice Guy-Blaché está cravado na história do cinema como a primeira diretora mulher e uma profissional de sucesso que contribuiu brilhantemente para a indústria.

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