8 TALKS – A trajetória de Bruno Boer


Se tem algo que nos enche de orgulho nessa profissão é poder conhecer de perto profissionais talentosos que inspiram, ensinam e são referência para muita gente.

No 8 TALKS de hoje, tivemos a honra de conversar com o ator Bruno Boer, que trabalha profissionalmente desde os 14 anos, passando por espetáculos infantis em praças de alimentação, praças públicas, bibliotecas de comunidades, temporadas em teatros pequenos, até projetos acadêmicos de renome sem remuneração e grandes espetáculos, como “Peter Pan” e “70? Década do Divino Maravilhoso”. Hoje, aos 28, Bruno traz na bagagem muitos trabalhos, sucessos, desafios e aprendizados.

Nascido em Santos, litoral de São Paulo, Bruno Boer também já fez diversos curtas metragens e esteve no elenco de “Rock Story”, novela das 19h da Rede Globo, dirigida por Dênis Carvalho e Maria de Médicis. Nesse trabalho, Bruno entrou com o que era para ser uma breve participação em poucos episódios, mas os fãs da novela causaram uma comoção no twitter pedindo para que tivessem mais cenas do “fã do Leo Régis”. O barulho deu certo e a autora deu um nome para seu personagem, “Jaiminho”. Ainda insatisfeitos, público subiu a hashtag “#VoltaJaiminho” para o primeiro lugar nos TT’s (“trending topics” do Twitter), o que acabou fazendo com que o personagem aparecesse de forma recorrente. Além disso, Bruno fez uma participação no filme “O Avental Rosa”, de Jayme Monjardim. Atualmente, grava a série “O Coro, sucesso aqui vou eu”, com direção de Miguel Falabella para a Disney Plus. Como deu para perceber, Bruno Boer sempre esteve incluso no meio das artes e nunca se viu fazendo nada além de atuar.

8 Milímetros – Em que momento você decidiu que teatro musical era o que você pretendia fazer da vida? Você teve apoio dos seus pais?

Apoio dos meus pais eu sempre tive, até porque eles viram que era algo latente (e que eu era muito elogiado, o que dava um certo ânimo e orgulho pra eles) desde os meus 10 anos de idade, ainda no colégio, em Praia Grande, litoral de São Paulo.

Meu pai foi transferido para trabalhar no Rio de Janeiro e me mudei para Niterói aos 14 anos. Assim que fiz minha primeira aula de teatro no colégio de lá, minha professora me convidou para um teste na companhia de teatro profissional que ela mesma trabalhava, dizendo que precisavam de um garoto e que eu já sabia todo o básico necessário. Minha mãe ficou até emocionada ficou quando soube, risos. Então, ainda aos 14, acabei começando a trabalhar com teatro infantil, e, na verdade, não tinha ideia do que era exatamente teatro musical.

No início, eu fazia apenas espetáculos em praças de alimentação de shoppings, em teatros pequenos de projeto escola, mas nunca havia entrado em cartaz de fato com nenhum espetáculo. Quando rolou o primeiro convite pra isso, eu faria o espetáculo “A Bela e a Fera” no Teatro Abel, em Niterói, em 2009. Com isso, eu fui pesquisar outras montagens para me inspirar e acabei achando a filmagem do espetáculo da Broadway que esteve no Brasil em 2002, com a Kiara Sasso e o Saulo Vasconcelos. Eu fiquei APAIXONADO, assisti o espetáculo INTEIRO no YouTube e fiquei maluco com o tamanho da produção. No mesmo ano, o espetáculo curiosamente voltou para o Teatro Abril (hoje, Teatro Renault), e meu primo me deu de presente o ingresso para assistirmos juntos. Eu já conhecia o espetáculo inteiro e cantava todas as músicas. No fim da peça, indo para o carro, lembro de estar cantarolando a música tema do personagem Gaston e meu primo ouvir e dizer “Você vai trabalhar com isso”. Ele estava certo.

Eu amo teatro musical e posso dizer que foi o que me proporcionou ter uma vida minimamente organizada financeiramente, mas não vejo como “o que eu pretendia fazer para a minha vida”. Eu me vejo como um ator que gosta de fazer de tudo, então, por mais que seja uma área que eu amo, não necessariamente é a única área que eu quero.

8M – Como você buscou estudar e se aprimorar?

Estudar para teatro musical não é algo barato porque exige aula de canto, dança, atuação, e meus pais não podiam sustentar esses estudos 100%. Mas eu reconheço que sou privilegiado e que, mesmo eles não podendo pagar todos os cursos, podiam custear passagens, alimentação, coisas básicas para que eu minimamente conseguisse tentar a minha vida no teatro sem precisar ajudar dentro de casa.

Quando tinha uns 18 anos, acabei entrando para um curso chamado “Oficina de Teatro Musical Marcello Caridade” (ou algo assim), onde eu faria um curso de um ano. No fim, apresentaríamos uma prática de montagem do espetáculo “A Ópera do Malandro”, do Chico Buarque. Lembro do valor dessa oficina ser por volta de R$200 ao mês. Por já trabalhar esporadicamente com alguns espetáculos, eu conseguia ajudar a pagar eventualmente. Por lá, após apresentar o espetáculo, eu acabei conhecendo a Paula Pires e a Márcia Hauaji, ambas do então Ballet Allegro, que me presentearam com uma bolsa de dança para 100% das aulas na academia delas. Depois, também, eu conseguia pagar aulas de canto com Marcelo Sader com o dinheiro que eu recebia do teatro. Mas tudo acabou tomando forma mesmo quando eu entrei para o projeto UNIRIO Teatro Musicado, na UNIRIO, que reunia alunos de universidades federais para uma montagem de teatro musical. Eu era estudante de Letras na UFRJ na época, fiz o projeto e acabei me apaixonando, o que inclusive me fez ter que abandonar o curso. Lá, fiz espetáculos como “O Jovem Frankenstein”, de Mel Brooks, interpretando Igor, e “O Mambembe”, de Arthur Azevedo, interpretando o Vieira. Lá foi, sem sombra de dúvidas, o que me fez de fato entender como funciona uma montagem profissional de verdade, e foi a minha grande escola.

8M – Como e quais foram seus primeiros trabalhos? Teve momentos de dilema/insegurança com sua arte?

O meu primeiro trabalho em teatro musical veio só aos 21 anos, no espetáculo infantil “Um Amigo Diferente?”, da Cia Os Inclusos e os Sisos, produzido pela Escola de Gente. Foi um sonho, conheci pessoas incríveis e foi um alívio por ter finalmente conseguido algo minimamente grande. O primeiro teste de fato aprovado, o primeiro trabalho com um salário de verdade. E eu tive vários momentos de insegurança, principalmente neste período de transição do momento dos estudos para o meio profissional. Os trabalhos eram mais espaçados e eu nem sempre conseguia ter uma boa perspectiva. E, na verdade, eu tenho momentos de dilema até hoje, aos 28. Sou levemente ansioso e tenho que trabalhar bastante o auto amor em mim, a empatia comigo mesmo. Me cobro muito e qualquer período parado já é um desespero. Mas, ao mesmo tempo, eu consigo ver com muita clareza os momentos que eu passei e para que eles serviram. Conto quase como capítulos da minha vida.

8M – Me lembro de quando você estava em cartaz com “Peter Pan”, de uma rotina muito pesada de ensaios, apresentações duplas, fonoaudiólogo e fisioterapia. Esse espetáculo exigia muito de todos os artistas. Você pode contar um pouco dessa rotina, e dos desafios que você encarou?

Bom, é engraçado pensar que o Peter Pan, na realidade, foi o meu primeiro musical “padrão Broadway”, e ele veio apenas 4 anos após o “Um Amigo Diferente?”, que eu citei na pergunta anterior. E sim, esse espetáculo exigia bastante. Desde os testes eu já sabia que seria difícil, porque foram vários dias com uma rotina levemente pesada de bastante dança, cena, canto.

Eu estava fazendo audição para o papel de Peter e também para os meninos perdidos, e eles já exigiam bastante energia desde as audições. Lembro que, no meu último dia de testes, fizemos um exercício onde tínhamos que improvisar uma cena de acordo com ritmos diferentes que o diretor, José Possi Neto, falaria durante a mesma, sempre adaptando. Lembro de dar tanta energia que, assim que meu grupo foi liberado da aula, fui direto para o banheiro… vomitar. No fim, entrei no espetáculo como menino perdido, e mal sabia eu que iria ficar pior. O Peter ficou muito conhecido por conta das coreografias do Alonso Barros, coreografias, inclusive, que acabaram rendendo para ele o prêmio Bibi Ferreira. O que as pessoas esquecem é que, dentro da sala de ensaio, o famoso “Uga Uga” precisou ser testado de diveeeeeeeersas formas diferentes.

Foram dois meses de preparações intensas e muitos “workshops” coreográficos até chegar no produto final. Como se não bastasse tudo isso, duas semanas depois de estrear, eu ainda fui convidado para ser “cover” do personagem principal, Peter. Tive que pegar a peça toda, dessa vez como Peter, em menos de duas semanas. Texto, coreografia, músicas, ensaios de vôo… Foi bastante pesado. Mas sou muito grato por tudo isso e sei que aprendi bastante, e faria tudo novamente.

8M – Recentemente você iniciou as gravações de uma série musical da Disney, com direção do Miguel Falabella. Pode contar um pouco do seu personagem, e também um pouco da rotina de gravações? A rotina de set é muito diferente da rotina de espetáculo, né? Pode contar um pouco das diferenças e das peculiaridades de cada rotina?

Sim, iniciei. A maior surpresa da minha vida foi essa série. Sei que não foi a pergunta, mas como sei que existem estudantes ansiosos (assim como eu) que vão ler, vou dizer algo que espero que ajude: no final de 2020 eu fiz audições para o espetáculo “Barnum” e cheguei até a final para o papel de Tom Polegar, personagem que foi interpretado pelo Matheus Paiva. Obviamente eu não peguei o papel, não passei nem mesmo para o coro, e fiquei muito triste. Eu simplesmente achava que não teria mais nenhuma outra oportunidade de trabalho tão cedo, o que implicaria passar 2021 inteiro desempregado, já que não havia previsão de mais nenhum outro espetáculo.

Passei meu tempo produzindo conteúdo para a internet e, de repente, surgiu o convite para o workshop da série. Eles buscavam um ator assumidamente gay para um personagem específico. Fiz o workshop, fiz o teste e entrei. Tudo isso para dizer: não sejam tão ansiosos, o que é nosso vem.

E, agora, indo para a pergunta… Eu interpreto o Cícero Alves, que todos vão conhecer como Sissy. Sissy é um garoto apaixonado por artes num geral, extremamente inteligente, informado, decidido, sabe o que quer, amigo, que sonha também trabalhar no meio, mas não exatamente do mesmo jeito que eu, Bruno. A trama principal acontece em torno de uma audição para a companhia Estável de Teatro Musical, onde ele leva duas amigas para o teste, mas as coisas acontecem para ele de forma diferente.

Enfim, quero que assistam para saberem mais, mas é um personagem bem apaixonante. E olha, sobre a rotina, eu tive momentos bem parecidos com de teatro musical durante a preparação, e momentos bem diferentes durante as gravações. A preparação foi parecida no momento em que estávamos aprendendo os arranjos das músicas. Quando finalizamos essa parte, focamos mais nas cenas e a carga horária acabou diminuindo, já que tínhamos apenas uma preparadora para um elenco gigante.

Durante as gravações, a gente acaba exercitando a arte da espera. Cada plano é montado, estudado, ensaiado, gravado, e nós acabamos passando algumas horas gravando uma cena que dura menos de 2 minutos quando vai ao ar. Precisa movimentar câmera, ajeitar cenário, luz, diversas alterações e adaptações que precisam ser feitas entre um plano e outro e que levam tempo. E nós acabamos fazendo a mesma cena algumas (várias) vezes. No teatro, a gente repete bastante durante os ensaios, mas depois que estreia, é só uma chance.

Não é porque podemos fazer a cena várias vezes que é mais fácil “chegar lá”. É importante que as cenas na tela passem frescor, naturalidade, realismo, mas nós não podemos fazer cada take de uma forma diferente em busca disso porque, se não, a continuidade fica completamente comprometida. É difícil fazer a mesma cena várias vezes de forma seguida e manter tudo isso, sem cair na coisa mecânica, entende? Sem perder o humor, a leveza, a novidade.

Foi uma experiência única e apaixonante, e que me mostrou que eu sou capaz de muito mais do que eu achei que fosse. E também me mostrou que é um mundo que eu quero estar muito mais vezes.

8M – A gente recebe muitos e-mails de estudantes de artes cênicas/atores/apaixonados pela arte querendo receber dicas e conselhos pra conseguirem se colocarem no mercado. Há algum conselho ou reflexão que você gostaria de compartilhar?

Acho que a minha maior dica é: não se sabotem. Evitem achar que vocês não são bons o suficiente. Não percam tempo com isso. Eu poderia citar diversas vezes que eu quase desisti de fazer testes (que eu acabei passando) por dizer que eu não iria conseguir. Durante o teste da série mesmo, eu estava concorrendo com nomes maiores que o meu, mas foi a primeira vez que isso não me abalou de verdade. Fiz o teste da melhor forma que pude, e eu acabei sendo o escolhido. Então NÃO PERCAM TEMPO se colocando pra baixo. Ergam suas cabeças, foquem no que vocês querem fazer e estudem. Mas não façam pelo outro, ou pelo que está na moda, façam por vocês. Ou, agora mais em primeira pessoa, faz por VOCÊ. Faz o que você gosta, o que você quer, o que tem a ver com você, aquilo que te faz bem. Procura a sua identidade dentro disso tudo, a sua forma de fazer, porque é isso que nos torna únicos. Busque seu ponto forte, invista nele. Saiba que o seu ponto forte é o que eventualmente pode acabar te dando uma primeira chance, porque é o que você já faz de melhor sem esforço. Com estudo, o resto você conquista e aprimora.

Exige muita paciência, muito choro, muita decepção. Já cantei um trecho inteiro de uma música com “la la la” porque esqueci a letra e eu sabia que eles só queriam ver se eu era afinado. Passei de fase. A gente aprende a se colocar nesses momentos de tensão maior de uma forma melhor. Estou dizendo que nós perdemos totalmente a adrenalina e não ficamos mais nervosos? Não, porque aí perde a graça. Mas quando você cria uma consciência maior que nem tudo depende de você, você consegue se soltar mais e se divertir.

E por último, quero que saibam de uma coisa: eu disse tudo isso pra vocês mas me imaginem em um espelho dizendo tudo isso pra mim mesmo, ou ouvindo isso de um amigo. Porque eu, Bruno, me saboto às vezes. Eu, Bruno, duvido de mim (muitas vezes). E eu sei o quanto isso me atrapalha, então peço que vocês se atentem a isso desde já.

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